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Mário Draghi, ou a falácia do falso dilema

O que parece, em geral, é?

Mário Draghi, ao colocar a questão que colocou – Portugal terá de ter um qualquer programa no final do período de resgate -, sabe de algo que o comum dos mortais não sabe (oposição incluída) ou limita-se a reagir perante a incerteza da situação, isto é, decisões do Constitucional, evolução da economia europeia (ameaças de instabilidade sopradas de França, por exemplo), taxas de juro implícitas, etc.?

Versão benigna: o Presidente do Banco Central Europeu, perante as dúvidas mais que legítimas sobre o nível das taxas de juro (reais) disponíveis para o financiamento da nossa economia em Julho (e depois disso), falou “de forma abstracta” sobre a inevitabilidade de um programa, com contornos a precisar. Faz sentido? Claro, afinal as taxas de juro implícitas a 10 anos ainda rondam os 6% e esse é um valor que torna quase impossível a veleidade de uma saída “limpa”, à irlandesa. E até faz sentido, tratando-se de uma abordagem “em abstracto”, falar de um “qualquer programa” (e não em concreto de um programa cautelar), ao arrepio daquilo que prevê o quadro das modalidades de assistência conferidas ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).

Versão maligna: Mário Draghi, as restantes instituições da troika e o governo português andam envolvidos em negociações preliminares sobre o futuro. Já assentaram na necessidade de um programa qualquer para o pós-troika que, em princípio e por estar previsto formalmente (no MEE, como referido), deverá ser um programa cautelar. Faz sentido? Claro que faz se considerarmos a natureza do autor das afirmações, que está mais do que habituado a que cada uma das suas palavras seja dissecada ao microscópio pela imprensa europeia.

Dito isto, qual será a verdade? Não sei, claro, porque não sou vidente, nem mosca, nem tenho acesso a quaisquer tipo de escutas ou informações confidenciais junto do presidente do BCE. Mas suspeito, permitam-me a ousadia, que haverá uma mistura das duas opções:

Conversas informais e privadas, uma opinião já formada por parte do senhor face à actual situação, a ideia de um programa cautelar que pode não se chamar assim e cujas condições (associadas) ainda se desconhecem; isto é, como quase sempre, das duas opções  escolhe-se a terceira…

Série (X): descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar (por Eva Gaspar)

Hoje, a DÉCIMA E ÚLTIMA DIFERENÇA: COMO EXPLICAR AOS SEUS AMIGOS?

 Autora: Eva Gaspar

1. Para que servem? (ver post dia 30 de Outubro)

2. Como se activam? (ver post dia 1 de Novembro)

3. Que condições exigem? (ver post dia 4 de Novembro)

4. Quem financia? (ver post dia 6 de Novembro)

5. Quem controla? (ver post dia 8 de Novembro)

6 . Quanto tempo dura? (ver post dia 11 de Novembro)

7. Quanto valem? (ver post dia 13 de Novembro)

8. Que compromissos políticos exigirão? (ver post dia 19 de Novembro)

9. Quais são as principais diferenças entre os três programas cautelares? (ver post dia 20 de Novembro)

10. Como explicar aos seus amigos?

Se (compreensivelmente) quiser distinguir resgate de programa cautelar com uma linguagem bem simples, pode recorrer a estas imagens: “Andar de muletas não é o mesmo que de cadeira de rodas ” (Pedro Santos Guerreiro, director do Negócios); “Temos de sair deste inferno do ‘programa de ajustamento’ e passar ao purgatório de um programa de vigilância” (Brandão de Brito, professor do ISEG),  “Temos de sair dos cuidados intensivos e passar a uma convalescença assistida” (Eduardo Catroga. antigo ministro das Finanças do PSD.)

Na próxima semana: resumo das principais diferenças entre um programa cautelar e um segundo resgate.

(texto original publicado no jornal de negócios on-line no dia 23 de Outubro e aqui reproduzido por acordo com a Eva Gaspar)

Série (VIII): descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar (por Eva Gaspar)

Hoje, a OITAVA DIFERENÇA: QUE COMPROMISSOS POLÍTICOS EXIGIRÃO?

Autora: Eva Gaspar

1. Para que servem? (ver post dia 30 de Outubro)

2. Como se activam? (ver post dia 1 de Novembro)

3. Que condições exigem? (ver post dia 4 de Novembro)

4. Quem financia? (ver post dia 6 de Novembro)

5. Quem controla? (ver post dia 8 de Novembro)

6 . Quanto tempo dura? (ver post dia 11 de Novembro)

7. Quanto valem? (ver post dia 13 de Novembro)

8. Que compromissos políticos exigirão?

Se o país pedir um segundo resgate integral, eventualmente com um novo horizonte temporal de três anos que ultrapassará, portanto, o da actual legislatura, os credores exigirão com toda a probabilidade um acordo entre PSD, CDS e PS sobre as contrapartidas de política. Foi isso que sucedeu aquando do primeiro programa de assistência na Primavera de 2011 que, tendo sido negociado pelo PS, foi respaldado pelos partidos do chamado arco da governabilidade por exigência da UE e do FMI. Eleições antecipadas, neste cenário, são um evento igualmente muito provável.

Se for pedido um programa cautelar, muito provavelmente também os parceiros europeus quererão garantias de rigor e de reforma dos três partidos. Mas como o programa terá, à partida, duração de um ano e o seu fim coincidirá com o fim da actual legislatura, essa exigência poderá ser suavizada, pelo menos em termos formais.

Em contrapartida, na Primavera de 2015, qualquer prolongamento do programa cautelar ou a eventual negociação de um segundo resgate obrigará a um entendimento entre os três partidos que, dependendo do momento da negociação e do resultado das eleições legislativas, poderá, como em 2011, eventualmente voltar a ser conduzido pelo PS.

Próximo post, a colocar na quarta-feira, dia 20 de Novembro:  NONA DIFERENÇA: Quais são as principais diferenças entre os três programas cautelares?

(texto original publicado no jornal de negócios on-line no dia 23 de Outubro e aqui reproduzido por acordo com a Eva Gaspar)

Série (V): descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar (por Eva Gaspar)

Hoje, a QUINTA DIFERENÇA: QUEM CONTROLA?

Autora: Eva Gaspar

1. Para que servem? (ver post dia 30 de Outubro)

2. Como se activam? (ver post dia 1 de Novembro)

3. Que condições exigem? (ver post dia 4 de Novembro)

4. Quem financia? (ver post dia 6 de Novembro)

5. Quem controla?

Os resgates envolvem um enorme estigma e pressupõem uma intervenção externa ostensiva, quer no desenho quer no acompanhamento da execução dos “memorandos” que justificam as missões trimestrais da troika.

Os programas cautelares prevêem um acompanhamento igualmente intenso e obrigações de reporte de informação a Bruxelas muitíssimo regulares, e exigem, inclusive, auditorias prévias para avaliar o estado das finanças públicas mas também a qualidade das estatísticas. A cada três meses, a Comissão, em associação com o BCE, fará um relatório ao Eurogrupo sobre o país “segurado”, centrado na sua (in)capacidade de se financiar integralmente nos mercados. Em contrapartida, não se contemplam missões trimestrais como as que actualmente são realizadas pela troika que, recorde-se, continuará (com ou sem programa cautelar) a exercer uma vigilância apertada, até que o essencial do empréstimo seja reembolsado.

Próximo post, a colocar na segunda-feira, dia 11 de Novembro:  SEXTA DIFERENÇA: QUANTO TEMPO DURA?

(texto original publicado no jornal de negócios on-line no dia 23 de Outubro e aqui  reproduzido por acordo com a Eva Gaspar)

Série (III): descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar (por Eva Gaspar)

Hoje, a TERCEIRA DIFERENÇA: EXIGIRÃO CONDIÇÕES DIFERENTES?

 Autora: Eva Gaspar

 1. Para que servem? (ver post dia 30 de Outubro)

2. Como se activam? (ver post dia 1 de Novembro)

3. Que condições exigem?

Em qualquer das opções – resgate ou programa cautelar, em qualquer das suas modalidades – haverá sempre a exigência de contrapartidas por parte dos credores.

No caso de Portugal, a condicionalidade –  designadamente em termos da exigência de se caminhar para o equilíbrio orçamental – não deverá ser fundamentalmente diferente com resgate, com programa cautelar ou mesmo numa situação em que o país tente regressar directa e plenamente aos mercados sem “rede de segurança”.

Recorde-se que o país aprovou, com os votos favoráveis do PSD, CDS e PS, a transposição para o seu ordenamento interno da “regra de ouro” do Tratado Orçamental, que impõe défices estruturais máximos de 0,5% do PIB e a obrigação de reduzir todos os anos a dívida pública até que esta regresse ao patamar de 60% do PIB. Para se ter uma ideia do que está pela frente, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) calcula que a partir de 2015 o país terá de fazer uma consolidação orçamental adicional, que permita a obtenção de “excedentes primários crescentes e superiores a 4% do PIB até 2020”. A título de comparação, refira-se que pela primeira vez em duas décadas e após três anos de troika, Portugal deverá ter em 2014 o primeiro excedente primário equivalente a 0,3% do PIB.

Próximo post, a colocar na quarta-feira, dia 6 de Novembro: QUARTA DIFERENÇA: QUEM FINANCIA?

(texto original publicado no jornal de negócios on-line no dia 23 de Outubro e aqui reproduzido por acordo com a Eva Gaspar)

Série (II): descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar (por Eva Gaspar)

Hoje, a SEGUNDA DIFERENÇA: ACTIVAM-SE DE FORMA DIFERENTE

 Autora: a minha convidada e amiga Eva Gaspar

1. Para que servem? (ver post dia 30 Outubro)

2. Como se activam?

Um segundo resgate ou um programa cautelar tem, em qualquer dos casos, de ser expressamente pedido pelo país em apuros. No primeiro caso, o pedido tem de envolver o FMI (ou seja, ter o aval de EUA, Japão, China, Brasil, Índia…), várias instituições europeias e parlamentos nacionais.

No caso do programa cautelar, o procedimento é comparativamente mais leve: o pedido é feito ao presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, actualmente Klaus Regling, que avaliará a sua oportunidade e riscos em ligação com o BCE e com a Comissão Europeia que desenhará o respectivo programa de condicionalidade, muito possivelmente em associação com os economistas do FMI.

Próximo post, a colocar na segunda-feira, dia 4 de Novembro –  TERCEIRA DIFERENÇA: EXIGIRÃO CONDIÇÕES DIFERENTES?

(texto original publicado no Jornal de Negócios on-line do passado dia 23 de Outubro)

Série: descubra dez diferenças entre segundo resgate e programa cautelar (por Eva Gaspar)

Hoje, a PRIMEIRA DIFERENÇA: SERVEM PARA COISAS DIFERENTES

 Autora: Eva Gaspar

 Há quem os tome por sinónimos, mas não são. A Grécia já teve um segundo resgate; a Irlanda poderá em breve ter o primeiro programa cautelar. Portugal quer seguir-lhe as pisadas.

1. Para que servem?

Um resgate, ou seja, um programa de assistência financeira assegurado pela comunidade internacional e condicionado a um conjunto de medidas e metas que têm de ser cumpridas pelo país beneficiário, é o instrumento de resolução de crises mais extremo, poderoso e intrusivo. Um segundo resgate oficial (ou seja, um segundo empréstimo da UE e do FMI enquadrado por um novo memorando de entendimento) foi o que a Grécia recebeu em Março de 2012, porque não havia a menor condição de o país regressar aos mercados quando se encarava o fim do primeiro programa de assistência financeira da troika, acordado em Maio de 2010. No caso grego, o segundo resgate foi acompanhado da exigência “irrepetível” de que os investidores privados perdoassem parte da dívida grega em sua posse.

Já um programa cautelar assenta, ao invés, no pressuposto de que o país beneficiário reúne o mínimo de condições para se financiar nos mercados. Essa avaliação é feita com base em seis critérios entre os quais figura “um passado de acesso, em termos razoáveis, aos mercados internacionais de capitais” e uma dívida pública e posição externa “sustentáveis”.

Os programas cautelares estão previstos no papel (em concreto, no quadro das novas modalidades de assistência que foram conferidas ao Mecanismo Europeu de Estabilidade), mas nunca foram até hoje accionados. Como o nome sugere, pretende-se oferecer uma espécie de seguro, inspirado nas linhas de crédito flexíveis do FMI. No limite, estas linhas de crédito, ou autorização de saque de fundos, podem até nunca ser activada se o país conseguir satisfazer as suas necessidades de financiamento pelas vias normais, junto dos investidores. Já no quadro de um resgate, o país suspende o essencial das operações de venda de dívida e fica por um período a ser sustentado por empréstimos “oficiais”.

Ainda ao contrário do resgate, que é um instrumento de resolução de crises, os programas cautelares pretendem prevenir crises – ou o seu agravamento. Foram, aliás, originalmente pensados no auge da crise do euro para evitar que uma Espanha ou uma Itália chegassem a uma situação em que, perante o fecho dos mercados, tivessem também de ser resgatados – opção que acarretaria custos financeiros e políticos possivelmente incomportáveis para os próprios e para a Zona Euro.

Os programas cautelares poderão, no entanto, ser inaugurados não por pesos-já-pesados do euro mas por recém-resgatados. A Irlanda é o primeiro potencial candidato. O financiamento oficial da troika termina em 8 de Dezembro, mas como as taxas de juro da dívida irlandesa a dez anos (“yields”) andam no nível muitíssimo aceitável de 3,6% (as portuguesas estão em 6,2%), o Governo de Dublin poderá tentar o regresso aos mercados sem antes pedir uma “rede de segurança” aos parceiros do euro.

Ainda assim, o cenário central que se antecipa nos mercados e nos meandros europeus assenta num pedido irlandês de um empréstimo cautelar para reduzir os riscos na transição para um quadro de financiamento autónomo.

Portugal quererá seguir-lhe as pisadas no próximo ano, no quadro da preparação do fim do programa oficial, que termina em Junho de 2014. É neste contexto que se enquadrarão as recentes declarações, em Londres, do ministro da Economia Pires de Lima.

Próximo post, a colocar na sexta-feira, dia 1 de Novembro:  SEGUNDA DIFERENÇA: ACTIVAM-SE DE FORMA DIFERENTE.

(texto original publicado no Jornal de Negócios on-line do passado dia 23 de Outubro)

O Chipre, a Troika e Eva Gaspar

No Jornal de Negócios do dia 21 a jornalista Eva Gaspar – que, para além de bem informada, foi correspondente em Bruxelas e conhece por dentro a realidade europeia – escreve um artigo que de forma (bastante) lapidar,  resume a questão cipriota

Resumindo muito resumido:

 Chipre precisa de 17 mil milhões de euros para salvar os seus dois grandes e comatosos bancos, Bank of Cyprus e Laiki, e também para continuar a funcionar como Estado. A Europa e o FMI (a troika, enfim) propõem-se emprestar 10 mil milhões mas não a totalidade daquele valor, para evitar que a dívida pública cipriota passe de cerca de 80% do produto (PIB) do país para mais do dobro, uma dívida impossível de pagar. Assim como se se dissesse: preparem-se todos (credores actuais e futuros) para perder muito dinheiro e preparem-se todos (cidadãos dos países da União) para pagar esse dinheiro que todos (credores actuais e futuros) vão perder.

 No âmbito da ajuda de emergência ao Chipre, e para evitar essa catástrofe, a União e o FMI (a troika) exigiram que o país gerasse por si próprio a diferença entre os 10 e os 17 mil milhões. São 5800 milhões, já descontadas algumas receitas mais pacíficas, tendo a União e o FMI (a troika) aprovado uma solução que libertou os ventos da ira na Europa (e no Mundo) – o célebre “confisco” dos depósitos.

  O Parlamento cipriota rejeitou a proposta, e fez muito bem, pois é para isso que servem os parlamentos e é para isso que servem as soberanias nacionais. E a União e o FMI (a troika) disseram ao Chipre: ok, digam lá então como querem resolver o problema. Ao Chipre, e tendo em conta que o país não tem capacidade de sobrevivência sem financiamentos adicionais, sobram 3 soluções:

 – Encontrar financiadores externos, já que internamente não parece haver recursos, sendo a Rússia aparentemente o único disponível (e dando de barato que os russos já parecem ter-se desvinculado do seu papel de salvadores do pequena ilha que tem servido de caixa forte a tantos dos seus cidadãos);

 – Renegociar uma solução com a União e o FMI (a troika, a não ser que, como a Eva Gaspar refere, o FMI “salte fora”), havendo já sinais relacionados com a privatização de fundos de pensões e uma eventual tributação dos impostos acima dos 100 mil euros;

– Sair do euro… o que seria, afirma Willam Buiter, economista chefe do Citigroup e antigo economista do Banco de Inglaterra, um “desastre”, com “a qualidade de vida (da população a reduzir-se) a níveis nunca vistos em 30 anos”, limpando “a poupança e a riqueza do aforrador cipriota”, ou seja “uma catástrofe financeira”.

Nenhuma solução é a ideal. Mas da disparatada tomada de decisão europeia – que só prova o risco da entrega aos Estados, na forma intergovernamental, de um processo de decisão que deveria ser institucional e de acordo com o método comunitário tradicional – alguma coisa de bom ainda pode surgir: a noção clara de que cabe aos Estados-membros, e só a eles, encontrar soluções para os seus problemas, mesmo que seja para apresentar aos parceiros a melhor forma destes os ajudarem.

Claro que isto também dilui um pouco o papel de vilã, ultimamente tão generosamente atribuído à troika (União e FMI). Não sei se isso convém a toda a gente…